Interrogatório - ASSESSORA

Luísa Gomes


INSPECTORA
Dr.ª Luísa, vejo que é uma pessoa bem-sucedida e inteligente. Aluna brilhante, de boas famílias, a sua vida é quase perfeita.

LUÍSA
(surpresa)
Quase? Engana-se.

DETECTIVE
Será? Uma pessoa do seu nível poderia subir muito mais alto...

LUÍSA
Porque é que eu haveria de matá-lo? Tenho tudo o que quero.

DETECTIVE
Qual é a natureza da sua relação com o Vice-Presidente da Silph Limitada, Vasco Santana?

LUÍSA GOMES
Somos bons amigos. É tudo o que precisa de saber. Sinto-me tentada a chamar o meu advogado depois da sua atitude.

INSPECTORA
Acha que deve? Só se tiver algo a esconder. Tem?

LUÍSA
A polícia não tem nada contra mim. E não, não tenho nada a esconder.

INSPECTORA
Óptimo, porque se tivesse aconselhava-a a falar neste momento. Seria melhor para si. As circunstâncias não abonam a seu favor neste momento. Foi a primeira pessoa a encontrar o corpo, ouvimos dizer que a sua relação com Jorge Lemos não era a melhor, é uma mulher ambiciosa... E a queixa de assédio? Nós descobrimos o que se passou. Queria vingança?

LUÍSA
(séria)
De novo, não a ouvi a referir um único facto que prove o meu alegado papel no crime. Têm mais alguma coisa a acrescentar, ou posso ir embora?

DETECTIVE
(impaciente)
Sim, de facto temos. Onde esteve entre as 22 horas e a meia-noite desse dia?

LUÍSA
Uma pergunta fácil, na empresa. Aliás, se bem me lembro, a minha secretária chamou-me por causa de um assunto urgente. Tinha de assinar alguns formulários de permissão para testes farmacêuticos. Ela pode confirmar. Estive lá durante todo o tempo.

DETECTIVE
Iremos confirmar, pode ter a certeza. E quando encontrou o corpo, reparou em algum objecto de forma circular na poça de sangue ao lado da vítima?

LUÍSA
Não, e não peguei no hipotético objecto se é isso que quer saber. A única coisa que fiz foi colocar um dedo à frente das suas narinas para verificar se respirava. Quando conclui que não, liguei imediatamente para a polícia. Eu também vejo séries criminais e sei no que não devo tocar.

INSPECTORA
Voltaremos a contactá-la se for necessário. Entretanto, se se lembrar de mais alguma coisa, avise-nos.

LUÍSA
Ah, agora que fala nisso, sim, lembro-me de algo interessante. A polícia não devia perder o seu precioso tempo comigo. Deviam era falar com um Tavares da Silph, acho que é contabilista.

INSPECTORA
Rui Tavares?

LUÍSA
Exactamente. No dia do crime, quando estava a ir para o gabinete do Vasco, por volta da hora do almoço, vi o Jorge Lemos e esse homem a discutirem violentamente. Até me lembro de ter pensado que finalmente alguém ia esmurrar aquele cretino do Lemos...
(ri-se, divertida com a coincidência de que só agora se apercebeu)
E olhem, acaba morto! É tudo karma.

(Ao acompanharem Luísa à porta, da pilha dos papéis que esta carregava, escorrega uma receita médica. Carlos baixa-se para a apanhar e só tem tempo para identificar o medicamento, geralmente utilizado em casos de perturbação de pânico, anti-social, e personalidade obsessiva compulsiva. Seria mais uma pista?)


ANÁLISE DA PSICÓLOGA

No final do interrogatório, ao qual Patrícia Neto assistira, esta dá o seu parecer.
«Luísa Gomes encaixa no perfil do assassino organizado, pois é inteligente e ambiciosa. As suas respostas são muito defensivas, o que pode indicar alguma insegurança subjacente. Apesar disto, nota-se que a sua personalidade é dominante. A sua atitude assustada quando Carlos segura a receita médica, pode indicar que esta tem algo a esconder, um segredo que pode ser próprio ou alheio. Mesmo que esta tivesse um distúrbio do tipo dos referidos não se pode concluir que isto a levaria a ser violenta. Tal prova não seria aceite em tribunal e seria apelidada de discriminatória porque o é. Por outro lado, a sua racionalidade evidente levaria a um conceito moral possivelmente rígido, o que poderia abonar a seu favor, pois determinaria um maior cumprimento de regras sociais.»