Interrogatório - VICE-PRESIDENTE

Vasco Santana


DETECTIVE
Como surgiu a sua relação com Jorge Lemos?


INSPECTORA
Por que é que você não haveria de matá-lo? Iria tornar-se presidente…

VASCO
Eu sou o seu melhor amigo. Safo-o sempre.

DETECTIVE
Conhecem-se desde que Jorge Lemos entrou na empresa. Pode esclarecer-me como se conheceram e de que forma ascenderam na empresa para os actuais cargos que ocupam?

VASCO
Eu conheci o Jorge no seu primeiro dia de trabalho. Eu era na altura um advogado contratado dois anos antes para ajudar em algumas questões legais da empresa. Fiquei encarregado de o acompanhar nos primeiros tempos. Em pouco tempo ficámos amigos, ele era muito íntegro e tinha uma enorme sede de progredir.
(Faz uma pequena pausa e recua na cadeira)
O Jorge desde cedo se assumiu como uma das pessoas em quem o Sr. Pereira mais confiava. A empresa sempre teve um êxito enorme, mas foi graças à intervenção do Jorge que ganhou um prestígio ainda maior. O Presidente sempre viu nele um futuro brilhante, sempre desejou dar-lhe soluções para que ele progredisse; deu-lhe imensas oportunidades, portas pelas quais eu próprio lutei e nunca tive possibilidade de abrir.

INSPECTORA
Se nunca teve essas oportunidades, como se tornou Vice-Presidente?

VASCO
Éramos os melhores amigos, pelo que o Jorge me ofereceu o posto que tenho hoje. É claro que eu gostava de ver o meu trabalho reconhecido de outro modo, mas respeito as hierarquias e as decisões dos meus superiores como profissional que sou. Ainda assim, penso que consegui este lugar por mérito próprio.

INSPECTORA
Mudando de assunto, o que nos pode dizer sobre o alegado caso de Jorge Lemos com Catarina Santos?

VASCO
Sinceramente, nunca pensei que ele pudesse fazer algo assim. Quando soube do seu caso com a Catarina, tentei falar com ele para fazê-lo ver que não estava a agir da maneira correcta.
(hirto, zangado)
Ela era uma caça-fortunas, uma oferecida. Só queria o sexo e o dinheiro, nunca gostou mesmo dele. Já o Jorge, estava encantado com ela. Ela era uma oportunista interesseira, uma pessoa sem quaisquer valores morais. E sabem que eu sou muito rígido nessas coisas.
(pausa)
 Para além disso, a Margarida estava grávida e, mais do que nunca, precisava do apoio do Jorge, coisa que não acontecia, pois ele passava o tempo todo fora de casa com aquela mulher suja e insidiosa.

DETECTIVE
E como é que o senhor sabe isso tudo?

VASCO
Lembre-se que sou um amigo próximo da família e a minha capacidade de observação é particularmente boa.

DETECTIVE
O Vasco amava a Margarida? O facto de Jorge Lemos andar a trair a mulher que você amava seria um bom motivo para o matar. Podia assassiná-lo e, assim, ficar com a Margarida.

VASCO
Não! Por mais que eu abominasse e não concordasse com o que ele estava a fazer, não seria capaz de o matar! E ele fazia o que queria, eu não tinha nada que me meter nisso! Odiava a Catarina? Sim, ela corrompeu o Jorge, cegou-o. Mas a escolha era dele.
(respira fundo)
O nome da empresa, sim, é que sempre me preocupou ao longo deste processo, não a Margarida. Se eu a amasse, se quisesse ter ficado com ela, teria aproveitado essa oportunidade dois anos antes dele. A empresa sempre foi, para mim, o mais importante.

INSPECTORA
E o seu álibi?

VASCO
Estive na empresa até mais ou menos às dez e meia, depois saí. Podem conferir pelas câmaras de segurança, tenho a certeza de que isso estará gravado.

DETECTIVE
Pode ter-se enganado nas horas. Tem a certeza de que o seu relógio está acertado? Às vezes, os relógios tendem a desacertar quando os passamos por água – por vezes, porque queremos…

VASCO
(sorrindo)
Este relógio é muito antigo, não é à prova de água. Mas não se preocupem, eu acerto-o todos os dias e verifico as horas pelo relógio no meu escritório.

DETECTIVE
Mais importante ainda: por que razão não referiu ainda agora que voltou à empresa às 23h33?

VASCO
Ah, pois... Hã... Já foi há algum tempo, uma pessoa não se lembra de todos os seus movimentos ao milímetro, pois não?

DETECTIVE
Muito conveniente, realmente... O que foi lá fazer?

VASCO
Se bem me lembro, fui buscar o telemóvel - sim, isso mesmo, foi isso. Tinha perdido o telemóvel e fui procurá-lo.

INSPECTORA
Certo... Obrigada pelo seu tempo, pode sair.



RELATÓRIO DA PSICÓLOGA
O Vasco Santana é uma pessoa que se preocupa sobremaneira com as regras cívicas e morais. Inquietava-o o facto de o melhor amigo estar a ir contra aquilo que ele julgava ético. Porém, aquilo que mais absorve o seu tempo é, claramente, a empresa. Ele é um trabalhador dedicado e responsável e nota-se que a empresa está invariavelmente em primeiro lugar. No topo da lista.
O Doutor Santana é, também, uma pessoa ansiosa. Reparem a forma como ele estava sempre a remexer os dedos, não parava quieto com as mãos. É muito perfeccionista, o que ainda provoca mais nervosismo e stress.
Se o facto de a empresa ser tudo para ele poderia influenciar o seu ajuizamento das situações e levá-lo a cometer um crime, não sei bem. Mas nenhuma hipótese deve ser posta de lado. Já agora, descubram se há algo – um objecto, por exemplo, que ele leva sempre consigo. Poderá corroborar uma teoria que eu tenho…