Margarida Lemos
SÍLVIA
Muito bem, Dr.ª Margarida, disse-nos que estava em casa mesmo antes de saber que o seu marido tinha morrido.
MARGARIDA
É verdade, a trabalhar. Sinto-me tão culpada por não ter estado com ele... Podia ter evitado tudo isto.
SÍLVIA
Estava sozinha? Há alguém que possa confirmar isso?
MARGARIDA
Só o meu amado e esperado filho. Não costumo ter visitas.
CARLOS
Amado e esperado filho? Por ambos, ou só por si? Ouvimos rumores de que o seu marido não via a gravidez com bons olhos.
MARGARIDA
Quem lhe disse isso? O Jorge era uma pessoa muito invejada. Todos o queriam destruir. São todos más-línguas.
SÍLVIA
Pode indicar-nos nomes?
MARGARIDA
Aquele contabilista da Silph. Ele odiava o Jorge! Qualquer pessoa notava isso, o seu olhar matava. Como se o meu marido pudesse fazer mal a alguém…
CARLOS
Pensava que ia referir o nome de Catarina Santos…
MARGARIDA
Sobre essa rapariga apenas sei que trabalha na empresa. Por sinal, até é uma pessoa muito simpática. Ofereceu-se para tomar conta do meu filho depois de ele nascer.
CARLOS
A sério? Se calhar desejava que o seu filho fosse dela. Tem conhecimento de que Catarina Santos era amante do seu marido?
MARGARIDA
Não, não pode ser. Eu estou grávida dele. Isso é impossível!
CARLOS
Está a dizer que nunca tinha percebido que o seu marido se mantinha distante de si nestes últimos meses?
MARGARIDA
O Jorge sempre foi uma pessoa muito reservada. Não transmitia os seus sentimentos. Esquece-se de que estou casada com ele há muito tempo e já o conheço muito bem.
CARLOS
E sabe se ele alguma vez falou sobre os seus sentimentos com alguém próximo sem ser a Margarida? Tomei conhecimento que Jorge e Vasco Santana mantinham uma relação muito próxima ao ponto de confidenciarem um ao outro os seus segredos mais íntimos.
MARGARIDA
Ele e a Catarina?! E o Vasco sabia? É isso?!
CARLOS
Não se faça de ingénua, você sabia perfeitamente que algo não estava bem. E estaria você em casa como dizia, ou terá ido vingar-se pelo sofrimento que isto lhe causara? Tem de concordar que você tem um motivo fortíssimo que a coloca no topo da lista de suspeitos. Por isso, é bom que colabore connosco, que pode ser que assim ainda tenha uns bons anitos para ver o seu filho crescer.
(Margarida chora compulsivamente)
CARLOS
Não diz nada? Daqui não sai sem me contar toda a verdade.
MARGARIDA
Rua Almeida Cunha, 726, Vila Nova de Gaia. Foi aí que estive na hora do crime.
CARLOS
Mas o que é que se encontra nesse sítio? E o que esteve lá a fazer? Já nos mentiu uma vez; não volte a fazer o mesmo, porque já está a correr mal para o seu lado.
MARGARIDA
O Jorge não estava disposto a assumir este filho, uma vez que se dizia muito ocupado com a empresa. Eu apenas fiz isto porque o amava e tinha medo que ele me deixasse caso recusasse fazer o que ele me pediu.
CARLOS
Mas você está-se a referir a quê? Fale de uma vez por todas! O que é que ele lhe obrigou a fazer?
MARGARIDA
Eu nesse momento estava na Clínica Privada da Luz.
SÍLVIA
Mas essa é a clínica mais conhecida por realizar abortos na zona metropolitana do Porto. Foi isso que ele a obrigou a fazer? Um aborto…
MARGARIDA
Sim, podem confirmar. Acho que agora já não podem questionar o meu álibi e gostaria que este assunto não passasse lá para fora.
SÍLVIA
Fique descansada.
(No final do interrogatório, Sílvia e Carlos confirmam o álibi de Margarida e esta deixa de ser considerada suspeita. Por vezes, as aparências podem enganar e a Polícia Judiciária teve mais uma prova disso mesmo)